sexta-feira, 16 de março de 2012

DIÁLOGO SANGRENTO | Por Harvey Madiba (Universidade Hip Hop)


Já aqui falamos sobre o espancamento de que foram vítimas alguns rappers a quando da manifestação (pacífica) planeada para 10 de Março último.

Trazemos agora o testemunho ditado por Harvey (da Universidade Hip Hop), da horrível experiência que vivenciou ao lado de Luaty Beirão (Ikonoklasta):

"Não sou de escrever neste estado de espírito, algo pretende sair dentro de mim. Não sei o que é, ainda tenho em mim a imagem do suposto diálogo juvenil...

... Corpos parecendo batuques, onde os CAENXES do Bento Kangamba eram os percussionistas, com ferros e paus na mão dispostos a causarem danos por ordens superiores. Levou-se tanto, mas mesmo assim o pessoal continuou pacífico depois de tanta porrada.

O VICE-ADMINISTRADOR DO CAZENGA, se fazia presente no local e até estava a negociar, para não partimos para a violência, mesmo depois de tantas detenções e ferimentos dos nossos manos,o VICE pôs-se a falar comigo e o Tukayano.

Me lembro de ter ouvido alguém a gritar: 'AGARREM-ME O MULATO' (ninguém sabe o que eles pretendiam com o Luaty), segundos depois o mano Luaty já se encontrava no chão ensanguentado, fizemos logo uma cobertura, para o brada poder fugir, e corremos todos. Houve um mano (já não me lembro quem) que ganhou coragem e pediu aos demais para montarem uma corrente de força. Por instantes, os bófias pararam de bater (afinal de contas eles também ficam com medo), mas segundos depois receberam a ordem do próprio VICE-ADMINISTRADOR, que no princípio pareceu-nos ser da paz (esta paz de rascunho, cheia de borrões), para dispararem, e foi assim que tudo começou, os disparos não paravam, parecia que estávamos em estado de GUERRA. Mas será possível alguém fazer GUERRA com papeis na mão?

Cantando a dor e o sofrimento deste povo (POVO BURRO), que assistiu a violência protagonizada, coniventes sem no mínimo intervir. A POLÍCIA ao lado a defender os CAENXES do Bento Kangamba, ainda no Cazenga na sequência da corrida, o grupo todo ficou disperso, alguns caíram na estratégia dos CAENXES, outros tiveram a sorte de receber abrigo em casas de angolanos que se sentiram solidários a causa.

Eu, o mano MALEMBE, o kota Alexandre (jornalista da Voz da América, também levou) e o mano LUATY (ensanguentado com a cabeça toda fudida, quase que tínhamos que transportar o brada, de tanto enjoo “efeito da pancada levada na cabeça”) tivemos a sorte de ter conseguido abrigo (invadido) numa (uma) casa de TJ's (Testemunhas da Jeová), que não nos entregaram mesmo não sabendo quem éramos.
No princípio os donos da casa, ficaram bwé assustados (o que é bem normal, para quem vê a sua casa invadida e um dos invasores a sangrar) e na rua os ASSASSINOS a gritarem 'agarra, são GATUNOS'. Naquele momento apesar da dor, pensavamos apenas no ADÃO RAMOS. O Luaty a perder os sentidos, mas não parava de repetir: Harvey, o ADÃO… Nós deixamos o ADÃO, liguem para o ADÃOHarvey, o ADÃO… Como é que está o ADÃO, liguem para o ADÃONaquele instante, até eu próprio esqueci-me que tinha saldo no telefone (a aflição era tanta), tentávamos manter a calma, mas não era possível (até o SUPER HOMEM naquele situação ficaria assustado).

Uma cena bwé engraçada, que aconteceu: a casa tem um anexo (a família vive na casa grande e no anexo um dos filhos), que no momento em que invadimos a residência, ele (o filho) se encontrava a dormir no seu anexo, ao ouvir o barulho feito pelos seus familiares, saiu a correr e ficou em frente a porta de casa impedindo a nossa entrada, na aflição entramos (eu e o Luaty) no anexo do brada (o filho, que saiu para proteger a famílias, mesmo sem saber se estávamos armados ou não) e tranquei deixando de fora o Malembe e o kota Alexandre… Quando o Malembe chamou por mim, abri e dei de frente com o kota Alexandre (e ele estava com um chapéu e óculos escuros), e dentro de mim eu pensei pronto agora estamos feitos. Mas o Luaty reconheceu e disse que era jornalista e só assim eu deixei entrar e trancamos a porta.

Ficamos todos quietos, atentos a movimentação, 10 ou 15 minutos depois os donos da casa começaram a bater a porta: 'PODE ABRIR… SOMOS NÓS, OS DONOS DA CASA. PODE ABRIR!!! SE NÃO ABRIR, VAMOS CHAMAR A POLÍCIA',
Ficamos na dúvida e com bwé de desconfiança e as últimas palavras aumentaram ainda mais o nosso medo, o kota Alexandre (que eu suspeitava ser um bófia), pediu que eu abrisse a porta, abri e só assim conseguimos explicar o que realmente se passava.

Marcou-me muito a hospitalidade e a preocupação deles com 4 (quatro) indivíduos estranhos (que poderiam muito bem ser GATUNOS como gritavam na rua os CAENXES). Fomos bem tratados com direito a comida e bebida (marcou-me muito a forma que a família sentiu a nossa aflição).

Fizeram o curativo ao Luaty, dei indicações a um dos putos para controlar a zona e recolher informações (sem dar bandeira), assim o fez. O Malembe continuava bwé assustado, e nós (eu, o kota Alexandre e o Luaty) a fingir que não estávamos.

O kota Alexandre pediu a família, que agissem naturalmente para não chamar a atenção e assim o fizeram. Gravou-se uma entrevista em directo para a RTP (por intermédio do kota Alexandre). E entramos em contacto com os outros manos para saber da situação. Minutos depois tivemos, informação que o ADÃO RAMOS, estava fixe e que o kota BONAVENA apareceu no local, para lhe socorrer. 

Esperamos que a poeira baixasse, mas o BÓFIAS continuavam nas ruas e nos becos do Cazenga, os gajos usaram crianças para passarem informações. Horas depois, no período da tarde, depois de vários contactos, Conseguimos boleia (três carros) e saímos seguros da residência que carinhosamente nos acolheu.

O MEU MUITO OBRIGADO A ESTA FAMÍLIA, PELA HOSPITALIDADE E A PREOCUPAÇÃO, QUE POR MOTIVOS DE SEGURANÇA DA MESMA NÃO IREI MENCIONAR O APELIDO… ESTA FAMÍLIA FICARÁ PARA SEMPRE NO MEU CÉREBRO E TATUADA NO MEU CORAÇÃO.

(...)

CENÁRIO DA SAGRADA FAMÍLIA:
Horas depois de sairmos do Cazenga, tivemos informação que algum pessoal ferido encontrava-se no hospital AMÉRICO BOAVIDA.

Mas um bom número continuava a ser agredido, na zona do supermercado JUMBO, na VILA-ALICE, na SAGRADA, na PRAÇA DA INDEPENDÊNCIA, enfim, havia muita violência patrocinada pelo suposto EMPRESÁRIO DA JUVENTUDE (Bento Kangamba), que mais uma vez mostrou ao mundo a democracia do JES/MPLA.

O kota FILOMENO minutos antes de ser agredido por 4 (QUATRO CAENXES), ligou para a comandante BETY, a alertá-la do que se estava a passar,mas nada mudou.

Ninguém me tira da cabeça que a porrada do kota FILOMENO, não tenha sido indicada, porque os CAENXES recebiam orientações por telefone, deixaram escapar tantos para seguirem o kota e espancá-lo numa cantina do MAMADOU. Por que será?

Quem orientou a violência? Quem?

Minutos depois a comandante BETY foi vista a passar no local… A quem diga,
Que ela apenas foi confirmar se o trabalho estava a ser bem feito. Indefesos continuamos pacíficos - lições extraídas em GANDHI, LUTHER e MANDELAApanhando muita surra dos comandados do novo HITLER".

(...)

Por Harvey Keitel Madiba (Decano da Universidade Hip Hop)




J.I

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