terça-feira, 26 de maio de 2015

ENTREVISTA COM NSALAMBI BOOZ


Balumukenu 
Para aqueles manos que não conhecem, quem é o Nsalambi Booz?

Nsalambi Booz 
Nsalambi Booz tem 36 anos de idade, professor de formação e de profissão. Formado no ISCED-LUANDA, opção Sociologia. Com Hebo Imoxi forma os GRIOTS, membro do Núcleo RAP, colaborador da Universidade HIP HOP, mergulhado no HIP HOP desde 1992... O resto deixo para o fluir da entrevista.

Balumukenu 
Ainda existe o grupo Griots e o Núcleo Rap?

Nsalambi Booz 
Núcleo RAP como organização deixou de existir, mas as sua sementes germinaram e tornaram-se árvores fortes, a exemplo de Nsalambi Booz, Dread Joseph, Wyma Nayoby, Buda Beka Lekalu... só para citar alguns.
GRIOTS existem e estão sempre a trabalhar, Hebo Imoxi tem dois trabalhos, “Calado Mas Não Mudo” e “Griotologia”.
GRIOTS não estão ligados apenas com a música, mas sim com a cultura, aliás, GRIOT não é um grupo é um modo de vida.
Por isso somos Guardiões da Revolução Ideográfica e Oral do Templo.

Balumukenu 
O mano Nsalambi já fez ou faz Rap?

Nsalambi Booz 
Sim, Já fiz e ainda faço, comecei em 1992 na altura estudava no Njinga Mbandi.

Balumukenu 
Certamente que os nossos leitores gostariam de ouvir alguma música de Nsalambi Booz... (para os que nunca tiveram a oportunidade)
Onde encontra-las?

Nsalambi Booz 
Os que são recentes no Movimento certamente não me conhecem com MC, gravei a minha 1ª música em 1997 no estúdio Ecos da Paz, a música “Baleado na Porta do Bar”, contou com a participação do Mano Tala e Edu Mucolo. Foi escrita por mim e com arranjos de Jeff Brown. Era um jornal e o JB tratou de diminui-la (risos).
Também gravei com os GRIOTS em 2000 mas a música desapareceu
Com a Short Clan, também gravei, aliás fui o mentor da SC e de vários grupos da Samba, isto até 2003.
Mas quem quiser ouvir a minha voz, pode faze-lo, está no LP de Hebo Imoxi - GRIOTOLOGIA.



Balumukenu 
Ou seja, Hoje por hoje não está tão empenhado na actividade musical?..

Nsalambi Booz 
Não muito no elemento MC. Hoje estou mais ligado a palestras e a escrita. Sou professor e estou empenhado na difusão da africanidade e no desenterrar da História, da cultura e dos valores africanos, mas poderão me ouvir em alguma música, porque os amigos pedem e estou quase a ceder; Haudaz e Hebo Imoxi estão sempre a pedir. Aliás, tenho um projecto com o Haudaz. E está pra breve o trabalho dos GRIOTS.

Balumukenu 
Fale-nos um pouco sobre a sua colaboração com a Universidde Hip Hop.

Nsalambi Booz 
Sou geralmente convidado para palestras. Dia 30, por exemplo, estaremos na Centralidade do Kilamba para uma actividade. Também dou conselhos.


Nsalambi Booz 
Os mentores da Universidade Hip Hop também foram contaminados por mim (risos).

Nsalambi Booz 
É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança. No entendimento e na prática deste provérbio africano, está a solução para o desgaste de valores em que estamos mergulhados. Desvalorizamos os nossos conhecimentos, e práticas ancestrais, cuspimos nelas e profanamo-las para abraçar outras desconhecidas e consideramo-las como as mais avançadas. E hoje vivemos no íntimo as consequências destes actos. Os mais velhos atirados e abandonados no beiral que o digam.

Balumukenu 
Considera que têm sido frutíferas as actividades da Universidade Hip Hop?

Nsalambi Booz 
Sim...
É a continuidade o trabalho do Núcleo Rap. Infelizmente muitos só querem cantar e não querem conhecimento, quando é palestre e debate fogem. Só querem show e música. Se tivéssemos mais apoios mudaríamos muita coisa. Somos poucos, mas a nossa qualidade quantifica-nos.

Balumukenu 
"Quando é palestra e debate fogem". Mas por outro lado, temos ouvido muitos rappers lamentarem que não há mais activismo no Hip Hop. O que tem a dizer sobre isso?

Nsalambi Booz 
A Universidade esteve a colher opiniões e até chegou a Malanje. Os locais dos encontros estavam vazios. Os MC's são quase todos VIP's, tudo sabem, tudo podem, são reis... tal como eles cantam. Tenta dar um show e depois uma palestra/debate e depois compara os resultados.

Balumukenu 
Como vê então o actual cenário do Hip Hop angolano?

Nsalambi Booz
Não podemos negar que desenvolveu, temos MC's, B-Boys, Bons produtores que são muito bons, mas poderia estar melhor. Eu defendo um HIP HOP com a cara de Angola e não imitação da América. Temos que criar mais, temos muitas músicas angolanas para samplear. As nossas músicas ainda são muito americanizadas. Quem ouvir o "GRIOTOLOGIA" vai me entender. Este trabalho reflete o pensamento dos GRIOTS (Hebo Imoxi e Nsalambi Booz).

Balumukenu 
Partilha da ideia que os anos '90 foram a época de ouro do Hip Hop Angolano?

Nsalambi Booz 
Sem dúvidas. Eu saia da Samba até o Hoji ya Henda para participar em debates. Tinhas poucas livrarias mas liamos 3, 4 ou mais livros por semana. Nos chamavam de malucos mas quando abríamos a boca, o respeito era total. Os miúdos enchiam as ruas para ouvirem o freestyle. As músicas podiam ter pouca qualidade mas tinham muita mensagem. Éramos unidos. Eu andava com o Yanick e Mumú (Afromen) e também estava no Popula, andava com o Dread Joseph e Tetembwa. Dançávamos no La Tchucha e Harmonia.
O primeiro DJ de HIP HOP em Angola que eu conheci foi o Yanick Afromanquem frequentou a Koreia sabe o que digo.

Balumukenu 
Quais são os rappers angolanos que ouve?

Nsalambi Booz 
os actuais ?

Balumukenu 
De hoje e sempre

Nsalambi Booz 
varia muito, Hebo Imoxi, MC K, Haudaz, Sombra, Maximus, Wyma Naioby, Nice Zulu e BC, Dread Joseph, Intelectu. Gostei de ouvir recentemente uma MC, a Miss Skills, muito boa. A lista é longa, Yanick Afroman, Dread Joseph

Balumukenu 
A lista é longa, mas o unico rapper maistream q citou é o Yanick. Deixa claro q não se identifica com os chamados "comerciais"...

Nsalambi Booz 
Oiço sim, aliás, oiço muitos. O MC tem uma missão: Educar com as suas mensagens. Eu tenho muito respeito pelo Yanick, não só como artista mas como pessoa, ele alimentou a minha mente, aconselhou-me bastante. Teve papel preponderante na pior fase da minha vida. Dread Joseph, Jeff Brown e Yanick, tenho-os como irmãos mais velhos. Eterna gratidão. Gosto também de ouvir o Francis (Elenco de Luxo)

Balumukenu 
O que acha que está a faltar para a sociedade angolana encarar o Hip Hop Como um movimento cultural de facto?

Nsalambi Booz 
Sim, embora muitos não admitam, o HIP HOP tem dado um grande contributo para a cultura e o modo de pensar da juventude. A sociedade respeita esse movimento. O HIP HOP salvou muitos jovens da alienação. Por exemplo, o HIP HOP me devolveu à Africa. Se repararem bem, os jovens que em 1990 faziam RAP são hoje grandes homens fortes no conhecimento, quem não cala quando Gangsta está a falar? Kool Klever, MC K... só como exemplo. Repito: O HIP HOP fez e fará toda a diferença na nossa sociedade. O HIP HOP devolveu à África muitos jovens que hoje estariam perdidos na globalização.

"Somos poucos, mas a nossa qualidade quantifica-nos"
Balumukenu 
Então acha que a sociedade angolana respeita o Hip Hop como movimento cultural?

Nsalambi Booz 
SIM, já respeitou mais. Infelizmente muitos "rapistas" estão a deitar a baixo o respeito que tanto nos custou a ganhar. Antigamente quem andava com calças largas era chamado de barra, filósofo.

Balumukenu 
Porque será que os jovens rappers (a sua grande maioria) se distanciaram tanto desta velha escola de barras e filósofos? Porque será que trocaram as calças largas pelas skinni jeans?

Nsalambi Booz 
Aqueles que estão firmes não se distanciaram, ainda têm as raízes bem firmes como imbondeiro, embora que não estejam a 100%, os tempos mudaram, na altura eramos adolescentes/jovens hoje somos chefes de famílias, alguns optaram por outras actividades. Sabes o HIP HOP em Angola não dá dinheiro. (risos). Mas continuam a dar o seu contributo. Os que faziam por moda não resistiram aos fortes ventos.

Balumukenu 
Perguntávamos, Porquê que a nova escola se distancia tanto da velha, em termos de conhecimento e ideologia?
Será porque os mais velhos não souberam passar o testemunho?

Nsalambi Booz 
Em alguns casos é por cinismo... mas eu ainda sou muito solicitado. Muitos da nova geração pensam que sabem tudo, preferem imitar o que vem da América... ouve as músicas, as mensagens têm o corpo em Angola e a cabeça nos "states". Os beats, o Swagg, as bitchs... tudo América. Eu defendo o HIP HOP com o rosto de Angola. Por exemplo, admiro bastante o MC K e o Haudaz, estes por exemplo estão dispostos a aprender... desde (antes do ) o "Nutrição Espiritual" que o K conversa e troca ideias comigo. A Universidade HIP HOP, o Klever passam o testemunho, o Nayobi, o Hebo, o Dread Joseph, mesmo estando em Lubango. Como referi antes: Muitos fogem.... querem fama e muitas damas.

Balumukenu 
Que futuro antevê para o nosso Hip Hop?

Nsalambi Booz 
Como uma vez referiu o KRS -ONE o futuro do HIP HOP está em África. O imbondeiro (HIP HOP) continuará a dar frutos doces e saudáveis. Os aproveitadores, os que só estão de boleia serão levados pelo vento. Vamos continuar a lutar. Como gritávamos no Núcleo Rap: África Unida jamais será vencida.

Balumukenu 
Últimas considerações.. Alguma coisa que gostaria de dizer e não lhe foi perguntado?

Nsalambi Booz 
Deixo algumas linhas: Quem não valoriza o que é seu de modo profundo, tarde ou cedo torna-se infeliz mesmo que seja o dono do Mundo. Vamos estudar mais, investigar mais. Sermos autênticos naquilo que fazemos. HIP HOP não é só RAP, vamos conhecer as nossas raízes, fazer o HIP HOP com alma para a nossa sociedade. Como GRIOT digo: Dentro de 05 ou 10 anos, os poucos e últimos anciãos herdeiros dos vários ramos da Tradição provavelmente terão desaparecido. Se não nos apressarmos em reunir seus testemunhos e ensinamentos, todo o patrimônio cultural e espiritual africano cairá no esquecimento juntamente com eles, e uma geração jovem sem raízes ficará abandonada à própria sorte.

Balumukenu 
Ok, mano. Obrigado então pela entrevista
E esperamos que continue firme no activismo

Nsalambi Booz 
Nsalambi Booz está a disposição, podem contar comigo. Parabéns pelo belíssimo trabalho. Paz e harmonia.

Balumukenu 
PAZ!

Nsalambi Booz 
Jorge Intelekto foi um prazer ...

Balumukenu 
Igualmente, mano


J.I

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